domingo, 5 de junho de 2011

Depois daquela quermesse



Muito populares entre os jovens em meados do século passado, festas deram origem a amores que sobrevivem até hoje




Na foto, Vilma e José na época em que começaram a namorar em uma quermesse e cujo casamento completa Bodas de Ouro neste ano



Paçoca, chapéu de palha, milho assado, quentão . E, pra aquecer ainda mais corpo e coração, um belo par de olhos – promessa de namoro ou amor da vida inteira. Pois é. Para muito além das quadrilhas e das bochechas coradas de frio ou rouge (que ainda não era blush), as quermesses foram responsáveis pelo encontro de muitos casais nas décadas de 1950 e 1960. Eventos disputadíssimos pelos brotinhos de então, as festas dedicadas aos santos (entre eles o casamenteiro Antônio) eram esperadas por uma juventude acostumada ao footing das pracinhas e aos elegantes cinemas de bairro – oportunidade única para deixar vir à tona o espírito caipira tão enraizado e, mais ainda, sua contagiante alegria.

Foi numa dessas quermesses do passado – mais precisamente no ano de 1959 – que a operária Vilma encontrou o operário José. Eles viviam em São Caetano do Sul, cidade do ABC paulista, região que passava por grande crescimento industrial e atraía migrantes de vários pontos do País – inclusive do interior do Estado, caso dos dois. Vilma trabalhava na Cerâmica Santa Maria, que ficava na rua Wenceslau Brás. Ali, tinha conhecido uma das irmãs de José e, embora já tivesse visto o moço algumas vezes, nenhum dos dois tinha tido coragem de se aproximar. Naquele junho, como era tradicional, a cidade realizava uma grande quermesse na rua Manoel Coelho – justamente entre a avenida Goiás e onde hoje se localiza o shopping São Caetano, em área atualmente ocupada por um estacionamento. “Tinha pastel, pipoca, barraquinhas, música pelo alto-falante. Ele estava lá com os colegas, veio conversar e perguntou: ´Quer namorar comigo?´. ´Vou pensar´, respondi, porque naquele tempo era assim, não dava pra responder na hora”, conta Vilma Sasso Alonso, hoje com 72 anos e cujo casamento com José completa Bodas de Ouro no final deste ano.

José, que era metalúrgico na Laminação Nacional, em Utinga, Santo André, se recorda também das músicas que embalavam as quermesses. Não se restringiam às típicas, de quadrilha – pelos alto-falantes vinham sucessos da época e esperadas e românticas dedicatórias. “Lembro muito bem que tocava Boneca Cobiçada”, conta. As noites de sereno evocadas na música acompanharam o casal por todos os meses de junho dos anos seguintes, e não foram poucas as quermesses das quais participaram como namorados e, após 1961, já casados. Com uma única filha, o casal voltou a frequentar as quermesses com assiduidade quatro décadas depois daquela que marcou seu inesquecível encontro, dessa vez unidos por um objetivo tão ou mais afetivo: ver dançar a caipirinha Beatriz, neta que neste junho completa 19 anos.

Mais de 200 quilômetros distante da paulista São Caetano, a cidade mineira de Poços de Caldas também reunia seus jovens nas festanças e arraiás. Não necessariamente eram comemorações juninas: as igrejas aproveitavam as datas dos santos padroeiros para organizar quermesses. A jovem Dirce, vigiada de perto pela avó, que só consentia passeios se estivessem vinculados a atividades religiosas, ajudava numa das barraquinhas quando começou o flerte com Victor. Era 1957, festa da Igreja de Nossa Senhora Aparecida: “Eu trabalhava na loja de doces Mesquita e já tinha visto o Victor algumas vezes. Mas foi nesse dia que o primo dele, o Zequinha, nos aproximou, e logo começamos a namorar”, relembra Dirce, 71 anos. Foi também numa quermesse, mais adiante, que a avó os flagrou juntinhos. “Fazia muito frio e eu usava o cachecol dele. Minha avó nos viu e achou um absurdo, dizendo que moça direita não fazia essas coisas”, relata.

A saída foi Victor procurar a família da moça e oficializar o namoro. Apesar das muitas restrições – vigilância em casa e nas saídas do casal – eles puderam participar de várias outras quermesses e passeios. O circuito extrarreligioso, nada apreciado pela avó, incluía os cines São Luiz e Vogue (palco também de shows, como o de Nelson Gonçalves, lembrado por Dirce) e os bailes no Country Club. Victor Geraldo e Dirce dos Santos, que se casaram em 1961 e vieram para São Paulo poucos anos depois, construíram suas carreiras como garçom e auxiliar de enfermagem. Hoje aposentados, comemoraram Bodas de Ouro em maio passado, ao lado dos três filhos e um casal de netos. Ainda gostam de ir a quermesses, especialmente Dirce que, além das barraquinhas, aprecia a diversão do bingo – talvez só para contrariar aquele velho dito de sorte no amor, azar no jogo.

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