domingo, 14 de agosto de 2011

Mês de sobressaltos

Agosto costuma ser mês de grandes sobressaltos. Num agosto começou a ser construído o muro de Berlim; noutro, no Brasil, um presidente se matou e outro preferiu a renúncia. Agosto já deu nome a livro e a poema, e esse que segue é do poeta Ferreira Gullar

Agosto 1964
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,

mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,

que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira