domingo, 27 de maio de 2012

Cinema, política e dignidade

O filme Na Estrada, de Walter Salles, não levou premiação em Cannes, mas a disputa intensificou a memória do único brasileiro que obteve a façanha de trazer pra casa a Palma de Ouro. Há cinquenta anos, O Pagador de Promessas, texto de Dias Gomes com direção de Anselmo Duarte, era aplaudido no certame francês, um festival criado antes do início da Segunda Guerra justamente para se contrapor ao de Veneza quando este começava a incorporar por demais o ideário nazista.
Há histórias  curiosas e emocionantes na lembrança dos que viveram a gravação e premiação da película brasileira. Uma delas diz respeito à fé na mãe de santo que participou do filme e que, além de fazer chover para cenas que assim o exigiam, deu a Anselmo Duarte um certo pó anti-inveja – antídoto que, confessou ele, usou com sucesso durante a disputa. E o sabor das palmas na sala de exibição durante 10 minutos, o público seguindo os artistas e equipe até o hotel em que estavam hospedados e bradando pela premiação.
Era o florescente Brasil pré-ditadura militar, um País que se desenvolvia e trazia à cena grandes dramaturgos como Gomes, Vianinha, Guarnieri; fato que hoje, cinco décadas passadas, faz refletir sobre o quanto se perdeu e quanto foi preciso caminhar até ser possível aplaudir esta recente instalação da Comissão da Verdade. Para os que não encontram o vínculo, é fácil matar a charada lembrando o grande Dias Gomes em outra de suas obras, O Santo Inquérito, nas palavras de sua personagem Branca Dias, torturada e morta pela Inquisição: “Existe um mínimo de dignidade que não se pode negociar. Nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do sol”.

Nenhum comentário: